Há muito, muito tempo...
...quando a nossa moeda ainda nem era o Real, um garotinho, muito sagaz para a sua idade, ganhou de presente uma latinha de bolas coloridas de frescobol. Sem as bolas. Provavelmente, quem o presenteou com a fascinante latinha, fora o seu pai. Provavelmente.
O garotinho, que além de muito sagaz, era também -e, provavelmente, até hoje é- detentor de um intrigante bom senso. Consciente era esse garotinho, que preservava os seus bens, seus pertences; que colecionava; que protegia os seus brinquedos das garras dos irmãos; que guardava as suas moedas de Cruzeiro Real...
Um dia foi proposto a ele -provavelmente pela sua mãe- juntar moedas em latinhas. E caíram bem as moedas na latinha, como um casamento que deu certo; como duas peças de um quebra-cabeças; como esses clichês do tipo "as metades da laranja", "yin yang", "alma gêmea"...
E muito bem o garotinho juntava as moedas que, logo logo, surgiu a necessidade de outra latinha. E depois outra e outra. Eram latas de leite, de achocolatado, de bolas coloridas de frescobol... Um dia, a mãe do garotinho pediu-lhe umas moedas para ajudar na feira da semana (sempre aos sábados). Com dificuldade ela o convenceu a ceder-lhe umas moedas. Só que o inconveniente passou a se repetir. E não apenas para as feiras semanais. Inconveniente porque o bendito garoto era muito fiel e determinado com a sua missão de guardar as moedas. Tão fiel e determinado, tão focado na tarefa que, é provável que ele nem soubesse o porquê de juntar as moedas. Não era ruindade, nunca foi. Nobre sempre o foi.
Com a necessidade das moedas se tornando frequentes pela mãe do garoto, surgiu uma idéia: Esconder as latas. Qualquer buraco se tornava caixa-forte. Debaixo da cama, falho! No armário da estante, detrás das bugigangas, falho! Qualquer esconderijo era falho.
Mas com cada tentativa falha, como dá-se para perceber na ordem em que foram citadas, o garotinho ia adquirindo experiência na arte de esconder dinheiro. Um dia, ele escondeu as latinhas (que já eram muitas) tão bem escondidas; numa caixa-forte de tão avançada tecnologia anti-furo; projetada por renomadíssimos engenheiros que, num dia bem agitado -e ele achou mesmo tão estranha a agitação daquele dia-, a sua mãe pediu-lhe todas as latas. Todas as latas! Todas as moedas dele! Mas que absurdo, ele deve ter achado. Absurdo e muito estranho. Ouviu todas as desculpas mirabolantes da parte de sua mãe. Até mesmo que a moeda nacional iria mudar e que se não as entregasse, ele perderia toda a sua fortuna reunida ao longo de muitos e muitos anos de canguinhagem desmedida.
Mas, depois de árduas tentativas de convencimento e persuasão, o garotinho foi vencido. Só que, na hora de tirar as moedas da caixa-forte...
-Cadê? Você pegou! Você pegou! Minhas moedas!
-Não, meu filho! Você não se lembra onde as escondeu.
-Não, você pegou! Alguém pegou! Pegaram minhas moedas!
"Pegaram", termo muito usado quando não se tem o controle da situação; quando não se entende a situação.
Enfim... Tão bem escondidas foram as latas que, de fato, a moeda nacional mudara naquela ocasião. E o governo dera um prazo para que a população fosse trocando o papel-moeda. Os dias foram passando, o prazo foi se esgotando e as latas nunca foram encontradas. Gnomos? Duendes? Mãe? Pai? Irmãos? Tantos eram os suspeitos pelo sumiço das latas.
Essa é uma história que não tem final feliz. As latas apareceram tempos depois. E é justamente por isso que a história não tem final feliz. Apareceram tarde demais.
---Para minha mãe. Aguardo correções nos fatos e nos erros de português, Lala.---