Eu acabo fazendo tantas observações, sobre tantos temas. Análises, de eventos e fenômenos da natureza humana. Mas há algo que nunca consigo descrever -não com um mínimo de propriedade: A morte de um amor. Como exaure-se sentimento deveras significativo do interior de um indivíduo? Jamais consegui penetrar até as raízes dessa questão. É como ter consciência da existência de uma dimensão além da qual nos é permitido desfrutar. É como ser livre, ir além, visitar o naturalmente inalcançável, tocar na mão de Deus, compreender toda essa experiência e retornar, satisfeito, para casa. É ir e vir quando bem entender. É ter o controle. É poder visualizar, analisar e compreender o fenômeno que está ocorrendo bem diante dos nossos olhos.
Mas, o que estou descrevendo apenas é a minha hipótese de como deve ser a sensação de poder compreender a questão que eu criei e que julgo ser um feito miraculoso.
O amor parece ser o sentimento mais descrito pelo ser humano. Também parece ser o sentimento mais interessante. E talvez essa incansável tentativa de descrevê-lo seja uma consequência. Consequência da enfática existência desse sentimento na vida de um indivíduo.
Eu já tentei descrever o amor. Essas tentativas fizeram parte do momento da minha vida que se chama aprendizado. Não me refiro a meras desilusões. Me refiro a algo cuja trama é muito maior e mais complexa. Me refiro, pura e simplesmente, as ingênuas tentativas, ao conjunto de tentativas de viver. Cheguei a conclusão de que o amor não se descreve. Não com apenas um verso ou uma estrofe. Não com apenas um parágrafo. Não com apenas um texto ou uma poesia. Não com algumas rimas... Mas com uma vida inteira de ações. Uma vida inteira de palavras. Uma vida inteira de idéias, que deixam marcas, que registram, que são eternas. Uma vida de tentativas de descrições. Uma vida de palavras selam o conjunto de uma vida de amor.
Finalmente entendi que o amor é esse conjunto e que ocorre todo o tempo dentro de nossas mentes e que, consequentemente, ocorre em nossos corpos, quando saliente, quando aflora, quando manifesta-se.
Então, o meu amor será o meu legado. Será o conjunto de suas manifestações, as influências que causou e causará, tanto em meu corpo e em minha mente, quanto em corpos e mentes de outras pessoas. O meu amor será as palavras que escrevi e que escreverei, fotografias que tirei, telas que pintei... Afloramentos que descrevi, prédios que construí, salas que decorei, lares que cuidei, crianças que amamentei, prédios que zelei, incêndios que apaguei, pratos que lavei, pratos que servi, telefonemas que atendi, canetas que vendi, automóveis que conduzi... O amor é cotidiano. Será lido e sentido. Viverá.
Mas, voltando à tamanha deficiência que eu tenho em compreender a morte de um amor, percebi que o amor é imortal, em nossas vidas, em nossa duração na Terra. E pode ser imortal também para além da nossa passagem. Pode durar mais, nas memórias de um filho, de uma mãe, de um pai, de irmãos... Nas memórias de uma mulher, de um homem, de um estranho lendo uns registros de outro estranho...
O amor é construído e lapidado ao longo da vida. O amor continua se completando, à medida que nos completamos na Terra.