Sedimento fino

Sou argila,
sedimento fino em suspensão.
Toda intempérie me carrega.
Parte de mim é erosão.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Sem título

Tente me seduzir com teus cachos.
Me desmantele com teu largo sorriso na praça.
Mas saibas que sou muito particular
e que tenho raízes fortes e profundas
no centro de mim.
Não vou avançar,
te cercar e te comprimir.
Não sou assim.
Não vou usar força,
violentar a minha essência.
Sou mais como um evento tafrogenético:
O chão se abre e se vê,
sob a epiderme da Terra,
as belezas de um magmatismo.
Será que todo homem tem que ser
tão orogênico?
Eu dou risada, tinjo sorriso.
Baixo a guarda, reclino o olhar.
Mesmo assim, tente me seduzir.
Salte alguns obstáculos
e verás o meu magmatismo.
Faça um esforço por mim,
pois já não tenho paciência para flertes.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Asma

Naqueles momentos
em que o ar não enche.
Quando suado,
passa rasgado
nas vias estreitas.
Quando a noite é uma trilogia...
Fecho os olhos e vejo
o paraíso em meu interior.
Ontem foi um vale
com seu rio sangrando,
pelos vasos da Terra,
até o mar.
E eu singrando
sua superfície,
por entre as serras,
bem devagar... bem devagar...
E, quando me dei conta,
o ar já enchia.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Nenhum título

Eu acabo fazendo tantas observações, sobre tantos temas. Análises, de eventos e fenômenos da natureza humana. Mas há algo que nunca consigo descrever -não com um mínimo de propriedade: A morte de um amor. Como exaure-se sentimento deveras significativo do interior de um indivíduo? Jamais consegui penetrar até as raízes dessa questão. É como ter consciência da existência de uma dimensão além da qual nos é permitido desfrutar. É como ser livre, ir além, visitar o naturalmente inalcançável, tocar na mão de Deus, compreender toda essa experiência e retornar, satisfeito, para casa. É ir e vir quando bem entender. É ter o controle. É poder visualizar, analisar e compreender o fenômeno que está ocorrendo bem diante dos nossos olhos.
Mas, o que estou descrevendo apenas é a minha hipótese de como deve ser a sensação de poder compreender a questão que eu criei e que julgo ser um feito miraculoso.
O amor parece ser o sentimento mais descrito pelo ser humano. Também parece ser o sentimento mais interessante. E talvez essa incansável tentativa de descrevê-lo seja uma consequência. Consequência da enfática existência desse sentimento na vida de um indivíduo.
Eu já tentei descrever o amor. Essas tentativas fizeram parte do momento da minha vida que se chama aprendizado. Não me refiro a meras desilusões. Me refiro a algo cuja trama é muito maior e mais complexa. Me refiro, pura e simplesmente, as ingênuas tentativas, ao conjunto de tentativas de viver. Cheguei a conclusão de que o amor não se descreve. Não com apenas um verso ou uma estrofe. Não com apenas um parágrafo. Não com apenas um texto ou uma poesia. Não com algumas rimas... Mas com uma vida inteira de ações. Uma vida inteira de palavras. Uma vida inteira de idéias, que deixam marcas, que registram, que são eternas. Uma vida de tentativas de descrições. Uma vida de palavras selam o conjunto de uma vida de amor.
Finalmente entendi que o amor é esse conjunto e que ocorre todo o tempo dentro de nossas mentes e que, consequentemente, ocorre em nossos corpos, quando saliente, quando aflora, quando manifesta-se.
Então, o meu amor será o meu legado. Será o conjunto de suas manifestações, as influências que causou e causará, tanto em meu corpo e em minha mente, quanto em corpos e mentes de outras pessoas. O meu amor será as palavras que escrevi e que escreverei, fotografias que tirei, telas que pintei... Afloramentos que descrevi, prédios que construí, salas que decorei, lares que cuidei, crianças que amamentei, prédios que zelei, incêndios que apaguei, pratos que lavei, pratos que servi, telefonemas que atendi, canetas que vendi, automóveis que conduzi... O amor é cotidiano. Será lido e sentido. Viverá.
Mas, voltando à tamanha deficiência que eu tenho em compreender a morte de um amor, percebi que o amor é imortal, em nossas vidas, em nossa duração na Terra. E pode ser imortal também para além da nossa passagem. Pode durar mais, nas memórias de um filho, de uma mãe, de um pai, de irmãos... Nas memórias de uma mulher, de um homem, de um estranho lendo uns registros de outro estranho...
O amor é construído e lapidado ao longo da vida. O amor continua se completando, à medida que nos completamos na Terra.

Analisando "Sedimento Fino"

Sou argila,
sedimento fino em suspensão.
Toda intempérie me carrega.
Parte de mim é erosão.

*Argila é um tamanho, uma fração, em linguagem geológica. E uma fração bem pequena -não quero dificultar as coisas, pois prezo a acessibilidade.
**Então, quando digo que sou argila, me julgo pequeno. Pequeno, diante da imensidão do universo e da sua dinâmica... Da sua sorte.
*Um sedimento fino tende a ser carregado/carreado/arrastado. Tende a ser o último a decantar e a estabilizar-se num meio. Aquele (sedimento fino) é como os seres planctônicos, que vivem sob a dinâmica do oceano, conduzidos pelas correntes marítimas.
**Eu faço parte da dinâmica do universo. Sou mais uma peça da incalculável, portanto divina engrenagem a qual todos, seres vivos e não vivos, fazemos parte. Estou à mercê dessa dinâmica e assumo isso. Quem sabe o que nos espera no milessegundo seguinte? Enquanto isso, vou vivendo, pois a minha vida eu sei que me pertence. E com ela, contribuo com a dinâmica do universo, influenciando qualquer coisa que esteja ao meu redor, definitivamente, sem volta e... Para sempre.
*Erosão, em linguagem geológica, é um processo em que há um desgaste de um corpo, provocado por um fenômeno ou agente intempérico. Os fragmentos desse corpo são transportados pelo agente intempérico (que pode ser fluvial, pluvial, glacial, eólico...) e, em seguida, depositados em um ambiente de menor energia (naturalmente, em áreas mais rebaixadas).
**Parte de mim é erosão, parte de mim sempre é arrancada pelas intempéries da vida; transportada, influenciando cada indivíduo por onde passa; e depositada nas depressões do passado. Parte de mim é erosão partindo do pressuposto de que todos somos mutáveis. Tudo é mutável. Tudo se transforma. Tudo se transporta. E, dentro da erosão do universo, eu sou uma pequena parte, assim como você.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Sem título

Conversas profundas nunca foram possíveis com Ela. Mas, mesmo assim, Ele mantém um diálogo -não se sabe se diálogo com Ela ou consigo mesmo. Parece que Ela o inspira, de algum modo. E, de algum modo, partindo dessa suposição, de reatividade e inspiração, pode-se inferir que isso já é o bastante para se estabelecer um diálogo. É ação e reação. Mas, como é possível uma reação de quem não fora tocado? Isso ainda é um mistério. É uma estranha comunicação, às suas maneiras. De alguma forma Ele é tocado. Em seguida, sua imaginação faz o resto. Mas uma dúvida insiste em permanecer: Ele fantasia ou vive infinitos instantes? Também não se sabe mas, sabendo que instante é algo inexplicável, intangível e divino (pois dá-se a Deus tudo o que não se pode explicar e/ou tocar), tendo a crer que Ele vive a colher pistas fantasiosas pelo vão (o que seria o "infinito instante": nada mais que um vão ou um intervalo de tempo, dentro do qual pode-se viver lembranças que propiciam sentimentos intensos de modo a confundir a concepção de tempo -tão relativo tempo- daqueles que já tentaram e dos que continuam tentando descrevê-lo, romantizando-o ou não). Também tendo a crer que Ele manipula tais pistas para que possa dar vida ao que seria uma conversa. Para que possa criar a sua pseudo realidade. Ele, pelo menos, sente vontade de conversar e não se preocupa em saber sua identidade. Ele só quer conversar. Ele quer dar sentido ao vocábulo "diálogo" porque, até então, este nem se promoveu ao status de palavra.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Sem título

Permita-me mostrar-te
a minha chama e a minha luz.
Permita-me fazer-te
um ser humano completo.
Injetar-te o meu amor.
Permita-me ser o teu protetor,
o teu dedicado
amigo,
irmão,
companheiro enamorado.
Encaixar-te os meus olhos
-teus espelhos- para que te vejas
como eu a vejo:
A imagem,
tão temida imagem,
composta por pescoço, lábios, coxas, cachos...
E, principalmente,
por uma incógnita.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Sem título

Repousar é decantar,
viver em paz.
É dieta de pão e água:
Estreita as vias
e fragiliza.
Entorna de longevidade
e fragilidade.
E torna livre
de radicais livres.
E quebra com facilidade.
É melhor viver a vida turbulenta.
Viver em suspensão.
Convoluto, à correnteza
do universo.
Interromper a decantação.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Os dois lados da moeda

Quem me dera estar incluído nos teus planos, pois você está nos meus. Só falta uma coisa: Você querer. Você me deixa na condição de um romântico, ó, idealizada minha! Romântico contemporâneo. Eu teria você por um século, meu bem. Te amaria com dedicação e te mataria com tanto amor... Com o meu amor. Então, é melhor que você se mantenha mesmo distante de mim, pois eu sou uma farsa. Eu e todo esse meu amor. Sou um perigo para mim e para você. Agora, mesmo depois do meu alerta, se você quiser livrar-me da condição de romântico, agradeço a ti por ser cabeça dura.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Homenagem a minha maneira

Talvez eu ainda tenha alguma sensibilidade. Algumas pessoas medem sentimento -medem pesar- com lágrimas. Não desejo ser audacioso mas, afirmo que não é com lágrimas que se mede sentimento. Em mim não desce... Não desceu uma gota sequer de lágrima, mas a homenagem que posso lhe prestar é este momento de inspiração que a influência da sua existência, mesmo que imaterial, me proporcionou. Um momento em que lhe escrevo, jovem. Você passou. Passou por mim, por outros, por nós. E eu, outros, nós, estamos aqui hoje, com o teu retrato fincado em nossas memórias. Este dia me fez perceber que cada um de nós acontecemos constantemente em todo o mundo, no universo. Você aconteceu, continua a acontecer e continuará acontecendo. Um exemplo de tudo isso aconteceu em mim, hoje, onde você me mostrou que cada um de nós existimos, mesmo que na ausência de matéria. Todas aquelas pessoas, aquelas demonstrações... Não esqueçamos disso.
Outras coisas me roubaram as lágrimas, mas não a lucidez.

Sem título

Hoje me lembrei que sou diferente.
Já nem lembrava mais.
Até hoje,
enquanto todos choravam.
Acho que já chorei demais
por outras coisas.
Coisas que me tornaram seco
para todo o resto.
Na verdade,
ainda não sei
se não regulo como os outros,
se sou um homem das palavras,
dos sentimentos,
ou se,
de fato,
coisas outras me furtaram
toda a capacidade
de chorar.

sábado, 1 de janeiro de 2011

A palavra e a música

A palavra, como a música, é usada para provocar reações. Eu não faço música. Organizo palavras: Eu escrevo. E escrevo não única e exclusivamente para mim, mas também para provocar uma reação em quem necessite, por um momento, de um determinado sentimento.
A música é vibração e tem uma ação mais direta, alcançando com maior rapidez (como quem pega atalho) os sensíveis capilares emocionais. Não é apenas ouvir e sentir e sim ouvir, ser tocado pelas vibrações e sentir, enquanto a palavra é um instrumento usado para reproduzir tais vibrações -um modo alternativo e indireto de se alcançar os sentimentos. Um artifício. Uma ponte que nos leva a um outro estado. Nos leva a produzir as vibrações das quais necessitamos.
A palavra e a música combinadas... Fiquei sabendo que tal combinação tem poderes incríveis.

Palavras de um sonho

Eu sonhei...
Eu me sentia a favor da força do vento.
E ele me levava, soprando renovação,
rumo a um novo tempo,
onde eu me encontrava
livre de qualquer sintoma de autodefesa,
pois não mais precisava me defender.
Eu me sentia a favor do vento.
Livre de autopiedade.
Eu sonhei.