Sedimento fino

Sou argila,
sedimento fino em suspensão.
Toda intempérie me carrega.
Parte de mim é erosão.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Sobre humanos e pombos

Orgulho-me de mim mesmo quando lembro de certas viagens de infância: Raciocínios e fantasias possíveis, já nessa fase do desenvolvimento de um indivíduo humano. O que quero dizer com isso pode ser melhor explicado através de um exemplo. Então, lá vai um pequeno relato, inclusive, contado e interpretado por um "eU", sobre um "Eu" de outrora.

Sempre fui muito indagador a respeito do que me desse na telha ser. Lembro de me perguntar o porquê dos pombos serem tão difíceis de capturar, embora sejam mais lentos em relação a pássaros mais leves e ágeis como os pardais e os colibris. Porém, em relação às galinhas, há uma vantagem: Os pombos voam. Mas, nem mesmo as galinhas são fáceis de capturar, mesmo tendo essas aves ossos tão cheios de tutano. E mais imoportante ainda, por quê capturar esses animais? Mas por quê?

Enfim... "Eu" não questionava algo, aparentemente tão sem sentido, em vão. "eU" busco explicação no comportamento humano para tentar responder os meus guris questionamentos. Penso que as crianças conseguem agir ainda mais institivamente cruas que os adultos, refletindo muito da essência da nossa espécie e muito da necessidade da mesma em reinar no mundo dos animais. Um reflexo nítido dessa necessidade de reinar é um grupo de crianças brincarem de tentar capturar pombos. Da bricadeira, saem até manifestações interessantes da nossa capacidade intelectual, como desenvolver métodos mirabolantes de captura com utilização de armadilhas improvisadas de acordo com o que se tivesse à mão. Muitas vezes (quase sempre), não possuíamos nada à mão. Nenhum recurso. Nenhuma logísica. Nem mesmo planejamento. Simplesmente corria-se atrás dos pombos na tentativa de alcançá-los e capturá-los com as próprias mãos. Lembro que alguém chegou, certa vez, com a brilhante idéia de embolar uma camisa ou um pedaço de pano qualquer e atirar sobre o pombo, capturando-o, como faz uma rede mágica concedida pelo Mestre dos Magos. Acho interessante a idéia de embolar a camisa, pois assim diminui-se a área de contato e o atrito, numa manobra onde a camisa, embolada, ganha velocidade até abrir como uma rede inteligente bem em cima do animal a ser capturado.

Mas, o que significa a tentativa de capturar um pombo? Era o que "Eu" me perguntava. Por que todas as crianças queriam tanto apanhar pombos? Tomando como base a minha mente guri, naquela época, "Eu" tinha a intenção de capturá-los -sim, eu também entrava na onda, não sou hipócrita- apenas pela emoção de capturar algo tão fugidio, apenas pelo desafio e, logo após a captura (que, por sinal, não recordo de ter presenciado, nem de ter realizado) soltá-los. Isso é o que "eU", hoje, explico, com meus anos e minhas palavras. E digo mais: É um bom reflexo da natureza humana de tentar dominar todo aquele indivíduo do mundo animal que tenha um atributo evolutivo que, de alguma forma, ofereça risco. O atributo evolutivo dos pombos é a capacidade de voar. E o risco que isso oferece, eu procuro acreditar que resida em algum lugar do nosso DNA.

Os pombos estão entre nós, como ratos alados. Às vezes, até esquecem que sabem voar. Ontem vi dois meninos tentando capturar um pombo que, ou esqueceu que sabe voar ou simplesmente encarou os meninos como "manda vir, nem preciso usar as mãos" -ou melhor, asas.

Esses seres, para mim, tornam evidente o limite da incapacidade do ser humano. Eles chegam tão próximos a nós, nos dão a ilusão de que podemos apanhá-los, quando, na verdade, são escorregadios feito quiabo. Acredito que essa ilusão é gerada pelo fato de observarmos outras aves, menores e menos desengonçadas, aparentando ter mais intimidade e destreza com o vôo.

Pois é, os pombos desenvolveram asas e capacidade de voar. Possuem uma anatomia com aerodinâmica favorável ao vôo. E nós, humanos, copiamos. Desenvolvemos foguetes, aviões, balões, pipas... Tem gente até que se atira de edifícios acreditando ser o Superman. Estamos sempre tentando fazer melhor que os pombos, como um lamento por não possuir asas.

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